segunda-feira, 28 de março de 2011

Quarta-feira, 26 de Fevereiro de 1944

Querida Kitty:

O tempo está desde ontem maravilhoso e sinto-me

verdadeiramente espevitada. Vou todas as manhãs ao sótão onde

o Peter trabalha e onde respiro ar fresco. Do meu lugar favorito no

chão vejo um pedaço de céu azul e o castanheiro sem folhas, em

cujos ramos cintilam gotinhas, e vejo as gaivotas que, no seu vôo

planado, parecem de prata.

O Peter, com a cabeça encostada à viga, e eu, sentada,

respiramos o ar puro, olhamos lá para fora. Há entre nós qualquer

coisa que não queremos afugentar com palavras.

Olhámos assim muito tempo lá para fora e quando o Peter se teve

de ir embora para rachar a lenha, eu sabia que ele era um ótimo

rapaz. Subiu a escadinha estreita, segui-o, e durante um quarto de

hora, enquanto ele trabalhava, não pronunciamos uma única

palavra. Vi bem que se esforçava por me mostrar que tem força.

Mas vi também, através da janela aberta, um pedaço de

Amesterdã: olhei sobre os telhados até à linha do horizonte que

de tão azul e de tão límpido quase se não distinguia do céu.

-Enquanto ainda há disto, pensei, um Sol tão brilhante, um céu

sem nuvens e tão azul, e enquanto me é dado ver e viver tamanha

beleza, não devo estar triste.

Para qualquer pessoa que se sinta só ou infeliz, ou que esteja

preocupada, o melhor remédio é sair para o ar livre, ir para

qualquer parte, onde possa estar só com o céu e com a natureza, e

com Deus. Então compreende que tudo é como deve ser e que

Deus quer ver os homens felizes no meio da natureza, simples e

bela. Enquanto assim for-e julgo que será sempre assim sei que há

uma consolação para todas as dores e em todas as circunstâncias.

Creio que a natureza alivia os sofrimentos.

Talvez eu possa, em breve, partilhar esta felicidade suprema com

alguém que sinta as coisas como eu.

Estamos privados de muita coisa e há muito tempo.

Sinto-o como tu. Não estou a falar de coisas exteriores, as que

temos ainda chegam. Não, falo daquilo que se passa dentro de

nós. Tal como tu, eu queria liberdade e ar, mas creio agora que

temos boa compensação disto que nos falta. Foi o que compreendi,

de repente, hoje de manhã, quando estava sentada junto da janela;

quero dizer, uma compensação íntima. Ao olhar lá para fora e ao

reconhecer Deus na natureza, senti-me feliz, apenas feliz. Oh,

Peter, enquanto esta felicidade está em nós, esta felicidade da

natureza, da saúde e de muitas coisas mais, enquanto formos

capazes de conservar tudo isto em nós, a felicidade voltará sempre

de novo. Fortuna, fama, tudo podes perder, mas a felicidade do

coração, ainda que por vezes esteja obscurecida, torna a vir

enquanto viveres. Enquanto puderes erguer os olhos para o céu,

sem medo, saberás que tens o coração puro, e isto significa

felicidade.

Tua Anne.



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