Quarta-feira, 26 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
O tempo está desde ontem maravilhoso e sinto-me
verdadeiramente espevitada. Vou todas as manhãs ao sótão onde
o Peter trabalha e onde respiro ar fresco. Do meu lugar favorito no
chão vejo um pedaço de céu azul e o castanheiro sem folhas, em
cujos ramos cintilam gotinhas, e vejo as gaivotas que, no seu vôo
planado, parecem de prata.
O Peter, com a cabeça encostada à viga, e eu, sentada,
respiramos o ar puro, olhamos lá para fora. Há entre nós qualquer
coisa que não queremos afugentar com palavras.
Olhámos assim muito tempo lá para fora e quando o Peter se teve
de ir embora para rachar a lenha, eu sabia que ele era um ótimo
rapaz. Subiu a escadinha estreita, segui-o, e durante um quarto de
hora, enquanto ele trabalhava, não pronunciamos uma única
palavra. Vi bem que se esforçava por me mostrar que tem força.
Mas vi também, através da janela aberta, um pedaço de
Amesterdã: olhei sobre os telhados até à linha do horizonte que
de tão azul e de tão límpido quase se não distinguia do céu.
-Enquanto ainda há disto, pensei, um Sol tão brilhante, um céu
sem nuvens e tão azul, e enquanto me é dado ver e viver tamanha
beleza, não devo estar triste.
Para qualquer pessoa que se sinta só ou infeliz, ou que esteja
preocupada, o melhor remédio é sair para o ar livre, ir para
qualquer parte, onde possa estar só com o céu e com a natureza, e
com Deus. Então compreende que tudo é como deve ser e que
Deus quer ver os homens felizes no meio da natureza, simples e
bela. Enquanto assim for-e julgo que será sempre assim sei que há
uma consolação para todas as dores e em todas as circunstâncias.
Creio que a natureza alivia os sofrimentos.
Talvez eu possa, em breve, partilhar esta felicidade suprema com
alguém que sinta as coisas como eu.
Estamos privados de muita coisa e há muito tempo.
Sinto-o como tu. Não estou a falar de coisas exteriores, as que
temos ainda chegam. Não, falo daquilo que se passa dentro de
nós. Tal como tu, eu queria liberdade e ar, mas creio agora que
temos boa compensação disto que nos falta. Foi o que compreendi,
de repente, hoje de manhã, quando estava sentada junto da janela;
quero dizer, uma compensação íntima. Ao olhar lá para fora e ao
reconhecer Deus na natureza, senti-me feliz, apenas feliz. Oh,
Peter, enquanto esta felicidade está em nós, esta felicidade da
natureza, da saúde e de muitas coisas mais, enquanto formos
capazes de conservar tudo isto em nós, a felicidade voltará sempre
de novo. Fortuna, fama, tudo podes perder, mas a felicidade do
coração, ainda que por vezes esteja obscurecida, torna a vir
enquanto viveres. Enquanto puderes erguer os olhos para o céu,
sem medo, saberás que tens o coração puro, e isto significa
felicidade.
Tua Anne.
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